Introdução
A aleatoriedade está presente em diversas situações do cotidiano, e isso se torna ainda mais evidente no contexto dos jogos, sejam eles de cartas, tabuleiro, ou eletrônicos. Em muitos casos, compreender as chances associadas a determinados eventos dentro de uma partida pode ser essencial para tomar decisões mais estratégicas e eficientes.
Para facilitar esse tipo de análise, a Estatística dispõe de ferramentas chamadas distribuições de probabilidade. Essas distribuições descrevem o comportamento de eventos aleatórios em diferentes cenários, permitindo que possamos prever, com maior clareza, a chance de ocorrência de certos resultados.
Neste texto, exploraremos cinco distribuições de probabilidade muito utilizadas, aplicando cada uma delas a exemplos concretos extraídos de jogos populares.
Observação: para todos os exemplos, as variáveis aleatórias serão denominadas por [math]X[/math] e a probabilidade de [math] X [/math] assumir um certo valor [math]x[/math] será denotada por [math]P(X = x)[/math].
Além disso, todas as probabilidades obtidas serão aproximadas utilizando 3 casas decimais.
Acerto Crítico em RPG – Distribuição Binomial
Em inúmeros RPG’s, é necessário rolar um dado para atacar, usualmente um d20 (dado de 20 lados). Além disso, também é possível que exista uma chance de acerto crítico, isto é, um golpe com o dobro do dano original, o que vamos supor que acontece quando o jogador tira exatamente 20.
Com isso, uma pergunta de interesse é a probabilidade de, dado um certo número de ataques, a quantidade deles que serão acertos críticos. Para isso, podemos utilizar a Distribuição Binomial, utilizada em situações as quais:
- Temos tentativas independentes;
- Existem dois resultados possíveis (sucesso ou fracasso);
- A probabilidade de sucesso é constante.
Assim sendo, a fórmula da Distribuição Binomial é:
[math]P(X = x) = \displaystyle \binom{n}{x} p^x (1 – p)^{n – x} [/math],
em que [math]n[/math] é o número de tentativas, [math]x[/math] é o número de sucessos e [math]p[/math] a probabilidade de sucesso.
Logo, no nosso caso, podemos calcular, por exemplo, a probabilidade de, em 10 ataques, 2 deles serem críticos. Como a probabilidade do acerto crítico é 1/20, isto é 5% e realizaremos 10 tentativas, substituindo os valores na fórmula obtemos:
[math] P(X = 2) = \displaystyle \binom{10}{2} (0.05)^2 (1 – 0.05)^{10 – 2} \approx 0.075 [/math]
Portanto, caso o jogador ataque 10 vezes, a probabilidade de acertar exatamente 2 críticos é de aproximadamente 7,5%.
Acerto Crítico com Chance de Evasão em RPG – Distribuição Multinomial
Além da chance de crítico ao atacar, também é comum que os RPG’s possuam uma chance do ataque não funcionar ou errar seu alvo. Portanto, vamos supor que ao jogar um dado de 20 lados, caso caia 20 o acerto será crítico e caso caia 1 ou 2 o ataque não funcionará.
Para calcular a probabilidade de um certo número de acertos, críticos e erros, a Distribuição Binomial já não funciona mais, uma vez que agora cada lançamento possui 3 valores possíveis. A fim de resolver este problema, vamos utilizar a Distribuição Multinomial, que possui características semelhantes à utilizada previamente, mas agora com cada lançamento podendo ter mais de 2 resultados distintos. Ou seja, utilizamos a Distribuição Multinomial em cenários os quais:
- Temos tentativas independentes;
- Existem alguns resultados possíveis;
- A probabilidade de cada resultado se mantém a mesma ao longo das tentativas.
Com as condições válidas, considerando que temos [math]r[/math] resultados possíveis em cada lançamento, a fórmula da Distribuição Multinomial é:
[math] P(X_1 = x_1, X_2 = x_2,\dots, X_r = x_r) = \displaystyle \frac{n!}{x_1! x_2! \cdots x_r!} p_1^{x_1} p_2^{x_2} \cdots p_r^{x_r} [/math],
em que [math]n[/math] é o número de tentativas, [math]x_i[/math] é o número de sucessos para cada possibilidade [math]i[/math] e [math]p_i[/math] é a probabilidade de cada resultado [math]i[/math]. É importante ressaltar que a soma de todos os [math]x_i[/math] deve ser igual a [math]n[/math] e a soma de todos os [math]p_i[/math] deve ser igual a 1.
Logo, agora conseguimos calcular, por exemplo, a probabilidade de que, em 10 ataques, 2 sejam críticos e nenhum seja errado. Sendo assim, utilizando a ordem (crítico, acerto, erro), as probabilidades são dadas por (1/20, 17/20, 2/20) e o número desejado de sucessos (2, 8, 0). Substituindo na fórmula:
[math] P(X_1 = 2, X_2 = 8, X_3 = 0) = \displaystyle \frac{10!}{2! 8! 0!} (0.05)^{2} (0.85)^{8} (0.10)^{0} \approx 0.031 [/math]
Portanto, a probabilidade de que, em 10 ataques, 2 sejam críticos e nenhum seja errado é 3,1%.
Sair da Cadeia do Monopoly – Distribuição Geométrica
Monopoly é um jogo de tabuleiro em que os jogadores jogam dois dados para navegar entre as casas, e o objetivo é comprar propriedades a fim de ganhar mais dinheiro e falir os demais competidores. Além disso, existem diversas situações especiais que podem ocorrer ao longo de uma partida, como uma determinada casa denominada Cadeia, em que os jogadores que caem nela ficam presos.
Sendo assim, para sair da cadeia, o jogador precisa, no turno dele, acertar um número igual nos dois dados (por exemplo, 2 e 2) ou pagar uma certa quantia de dinheiro. Entretanto, um jogador só possui até 3 chances de sair da prisão com os dados, sendo obrigado a pagar ao invés de realizar a quarta tentativa.
Ou seja, é de interesse calcular a probabilidade de que um jogador consiga sair da cadeia sem pagar, isto é, que consiga acertar dois dados iguais em até 3 rodadas. Para isso, podemos utilizar a Distribuição Geométrica, que é aplicada em cenários em que:
- Fazemos tentativas independentes até obter o primeiro sucesso;
- Só existem dois resultados possíveis (sucesso e fracasso);
- A probabilidade de sucesso é constante entre as tentativas.
Dessa forma, a fórmula da distribuição geométrica é dada por:
[math] P(X = x) = (1 – p)^{x – 1} p [/math],
em que [math]p[/math] é a probabilidade de sucesso e [math]x[/math] é o número de tentativas.
Com isso, podemos calcular a probabilidade de um jogador que caiu na cadeia conseguir sair sem precisar pagar a partir da Distribuição Geométrica. Como a chance da jogada conter dois números iguais é 1/6, basta calcular [math] P(X \leq 3) [/math]. Logo, substituindo na fórmula, a probabilidade é:
[math] P(X \leq 3) = P(X = 1) + P(X = 2) + P(X = 3) = [/math]
[math](1 – 0.17)^{1 – 1}(0.17) + (1 – 0.17)^{2 – 1}(0.17) + (1- 0.17)^{3 – 1}(0.17) \approx 0.428 [/math]
Ou seja, caso um jogador não queira pagar para sair da cadeia, ele obterá êxito com probabilidade aproximada de 42,8%.
Drop de Ender Pearl no Minecraft – Distribuição Binomial Negativa
O jogo Minecraft é um enorme mundo aberto em que os jogadores devem explorar e deixar sua criatividade ditar os rumos de sua jornada. Com as ferramentas fornecidas pelo jogo, é possível entrar em combate com criaturas, realizar diversas construções, coletar recursos e sobreviver em ambientes variados.
Além disso, é possível zerar o jogo, eliminando o Ender Dragon, que se localiza em uma outra dimensão, The End. Entretanto, para acessar essa dimensão, é necessário coletar Ender Pearls, que são obtidas ao derrotar monstros chamados Endermans.
Com isso, para uma jornada mais segura, é recomendado coletar cerca de 25 Ender Pearls, e cada Enderman derrotado fornece 1 com probabilidade de 50%. A fim de estudar o número de Endermans que precisamos derrotar para obter uma dada quantidade de Ender Pearls, podemos utilizar a Distribuição Binomial Negativa, uma generalização da Distribuição Geométrica, aplicada quando:
- Fazemos tentativas independentes até obter um certo número de sucessos;
- Só existem dois resultados possíveis (sucesso ou fracasso);
- A probabilidade de sucesso é constante entre as tentativas.
Sendo assim, a fórmula da Distribuição Binomial Negativa é:
[math] P(X = x) = \displaystyle \binom{x – 1}{r – 1} (1 – p)^{x – r}p^r [/math],
em que [math]r[/math] é o número de sucessos, [math]p[/math] a probabilidade de sucesso e [math]x[/math] o número de tentativas.
Neste caso, ao invés de computar uma probabilidade, é mais interessante introduzir um novo conceito, a Esperança, ou Valor Esperado. No caso da Binomial Negativa, o Valor Esperado é dado por:
[math] E(X) = \displaystyle \frac{r}{p} [/math]
Portanto, para sabermos qual o número esperado de Endermans que precisam ser derrotados para conseguirmos 25 Ender Pearls, basta substituir na fórmula. Como estamos interessados em 25 sucessos e a probabilidade de sucesso é de 1/2, o Valor Esperado é:
[math] E(X) = \displaystyle \frac{25}{0.5} = 50 [/math]
Logo, para obter 25 Ender Pearls, o número médio de Endermans que precisamos derrotar é de 50.
Mão Inicial em Yu-Gi-Oh! – Distribuição Hipergeométrica
Yu-Gi-Oh! é um jogo de cartas que surgiu no Japão em 1996, a partir do mangá de mesmo nome, que ganhou uma adaptação em anime em 1998, quando aumentou consideravelmente sua popularidade. O jogo consiste em partidas de dois jogadores um contra um, cada um com seu respectivo baralho (deck) contendo monstros, magias e armadilhas com a finalidade de, por meio de combates reduzir os pontos de vida do seu adversário a 0.
Sendo assim, os decks podem ter de 40 a 60 cartas, mas usualmente usam-se baralhos com 40 cartas, uma vez que aumenta a probabilidade de serem compradas cartas específicas para combos. Além disso, no início do jogo, cada um dos jogadores inicia com uma mão contendo 5 cartas.
No jogo, é muito importante comprar monstros na mão inicial, uma vez que eles protegem seu campo para não sofrer ataques diretamente em seus pontos de vida. Logo, é de interesse calcular a probabilidade de uma mão conter uma quantidade determinada de monstros. Para isso, podemos utilizar a Distribuição Hipergeométrica, que é aplicada em cenários os quais:
- É realizado um sorteio de uma população finita;
- O sorteio é sem reposição, então a probabilidade de sucesso não é constante;
- Existem duas possibilidades de sorteio (sucesso e fracasso).
Com isso, a fórmula da Distribuição Hipergeométrica é:
[math] P(X = x) = \displaystyle \frac{\binom{R}{x} \binom{N – R}{n – x}}{\binom{N}{n}} [/math],
em que [math]N[/math] é o tamanho da população, [math]R[/math] é o número de sucessos na população, [math]n[/math] é o tamanho da amostra e [math]x[/math] é a quantidade de sucessos na amostra.
A partir disso, é possível calcular a probabilidade de um jogador ter exatamente 3 monstros em sua mão inicial. Supondo um deck com 40 cartas, sendo 25 monstros e 15 magias ou armadilhas, a probabilidade da mão inicial conter exatamente 3 monstros é dada por:
[math] P(X = 3) = \displaystyle \frac{\binom{25}{3} \binom{40 – 25}{5 – 3}}{\binom{40}{5}} \approx 0.367 [/math]
Logo, a probabilidade de uma mão inicial de Yu-Gi-Oh! conter exatamente 3 monstros é aproximadamente 36,7%.
Conclusão
A aplicação das distribuições de probabilidade em jogos mostra como a Estatística pode ser uma aliada poderosa na tomada de decisões e na construção de estratégias mais eficientes. Ao compreender como diferentes distribuições se encaixam em situações específicas, conseguimos enxergar os jogos sob uma nova perspectiva: mais analítica, estratégica e informada.
Além disso, esse conhecimento não precisa se limitar aos exemplos apresentados. Ao dominar os conceitos básicos das distribuições de probabilidade, qualquer jogador pode aplicar essas ferramentas em diversos contextos, seja para melhorar seu desempenho, tomar decisões mais embasadas ou simplesmente apreciar de forma mais profunda a matemática por trás dos jogos que tanto gosta.
Com isso, fica claro que a Estatística, muitas vezes vista como algo distante do cotidiano, está mais presente e divertida do que se imagina.