Cegonhas entregam bebês?

Todos nós cometemos erros de raciocínio. Muitos desses erros são consequências de vieses (inclusive psicológicos!) que nos induzem ao equívoco. Uma falácia pode estar presente durante uma observação do mundo, na coleta de dados, interpretação de dados e em como nos comunicamos, ao transmitir ou receber uma informação.

Aqui no blog, temos alguns exemplos de discursos “maquiados” por meio da estatística, que podem facilmente confundir ou enganar a gente (caso você não tenha conferido ainda, clique aqui). Muitas vezes, do jeito que são apresentados, esses discursos parecem que são válidos. Entretanto, temos que ficar treinados para identificar falácias, já que existem centenas delas. Este texto traz um pouquinho sobre a falácia da falsa causa.

Os estatísticos são frequentemente confrontados com essa falácia. O fato de dois fenômenos ocorrerem concomitantemente ou um seguido do outro não significa que um esteja causando o outro. Um dos exemplos mais clássicos é o da cegonha e dos bebês. 

Em 2000, o físico Robert Matthews publicou uma pesquisa na qual investigou a relação entre a taxa de nascimento de crianças e cegonhas. O ponto de partida para a pesquisa foi justamente aquela velha história popular, contada muitas vezes para as crianças, sobre os bebês sendo trazidos pelas cegonhas. Não se sabe ao certo a origem dessa história folclórica, mas o interesse nessa relação já tinha sido levantado por estatísticos e matemáticos já no século 19.

Para verificar como seria testar essa ideia cientificamente, Robert Matthews resolveu analisar dados de 10 anos (1980-1990) sobre a taxa de natalidade em algumas regiões da Europa, bem como dados de pares reprodutivos de uma espécie de cegonha, que é uma cegonha branca, muito comum nessas regiões. Mas o que Matthews encontrou? Na pesquisa dele, ele mostra que conforme aumenta o número de pares reprodutivos de cegonhas, aumenta também a taxa de nascimento de crianças nas mesmas regiões européias conforme a figura abaixo:

Fonte: Matthews, R. Storks deliver babies (p=0.008).Teaching Statistics, 2000. 22(2):36-38.

Matthews encontrou uma relação forte e significativa entre essas duas variáveis. O título da pesquisa dele é “cegonhas entregam bebês: p=0.008”. No entanto, essa ideia de que as cegonhas trazem bebês é absurda! Não tem como a gente aceitar que o aumento dos pares de cegonha está causando o aumento no número de bebês. E por que não dá pra aceitarmos a relação de causa a partir da relação estatística encontrada? Porque todos nós sabemos como uma nova vida é gerada: a reprodução sexuada é característica dos seres humanos! 

A explicação mais plausível para a relação estatística encontrada por Matthews é a de que o aumento de cegonhas e de bebês foi devido a outros fatores – as variáveis de confusão (também chamadas de variáveis de interferência). Por exemplo, faz sentido pensar que grandes cidades, em extensão, possuem mais casas, e que sendo em regiões frias, como países da Europa, as casas possuem chaminés. Mais chaminés significam mais abrigos para as cegonhas construírem seus ninhos e se reproduzirem. Além disso, cidades maiores e com economia melhor, atraem mais pessoas, que constituem mais famílias e, portanto, têm mais crianças…

Ou seja, se tirássemos conclusões com base apenas na análise de correlação desses dados e no valor de p obtido, estaríamos chegando em conclusões equivocadas (e absurdas até!). Esse exemplo mostra que correlação não implica em causalidade. Então, sempre que estiver diante de situações de correlação, tome cuidado para não dizer por aí que cegonhas entregam bebês 🤭.

Autora: Lara Maria Herrera Drugowick

Referências

1- Matthews, R. Storks deliver babies (p=0.008). Teaching Statistics, 2000. 22(2):36-38.

2- Storks and the delivery of babies. Disponível em: <https://www.birdspot.co.uk/culture/storks-and-the-delivery-of-babies>. Acesso em: 5 de agosto de 2022.

Crédito da imagem de capa:  pixabay.com

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