O universo estatístico é extremamente rico para entender o funcionamento das coisas. Ao estudar um determinado fenômeno, podemos por exemplo, modelá-lo com ferramentas estatísticas de modo que possa se fazer aproximações ou previsões. Contudo, as aparências muitas vezes enganam. Se por um lado os programas executam exatamente os comandos de análises que os estatísticos fornecem, por outro esses profissionais são seres humanos e podem cometer diversos “erros”, também chamados de distorções cognitivas, aos quais levam a problemas no momento da tomada de decisão. Essas distorções cognitivas são em essência causadas por vieses ou falácias.
No texto dessa semana, que é mais um texto da nossa série sobre falácias estatísticas, você vai aprender sobre mais uma problemática causada por esses vieses, como e de onde surgem e como eles estão presentes no seu dia a dia, sem mesmo que você perceba.
A regressão à média
Começaremos com um exemplo. No ilustríssimo livro do estatístico e ganhador do prêmio nobel de economia Daniel Kahneman Rápido e Devagar, Duas formas de Pensar, esse tema é abordado com a seguinte situação:
Ensinando princípios de psicologia de treinamento para instrutores de voo da força aérea israelense, discutia-se o que seria mais eficiente: recompensar os cadetes quando acertam ou punir quando erram?
Um dos instrutores veio a argumentar:
“Em várias ocasiões elogiei os cadetes por alguma execução perfeita numa manobra acrobática. Quando eles voltam a executar essa mesma manobra, em geral se saem pior. Por outro lado, muitas vezes berrei no fone de ouvido de um cadete por causa de uma manobra malfeita, e em geral eles a executam melhor da vez seguinte. Então por favor não venha nos dizer que recompensa funciona e punição não, porque o que acontece é o oposto.”
Por mais experiente que fosse o instrutor ele estava completamente equivocado e a resposta para isso advém do fenômeno da regressão à média. Vou explicar:
Após a ocorrência de um resultado muito melhor (ou pior) do que o imaginado, é normal e completamente esperado que o resultado seguinte seja bem menos (ou mais) extraordinário que este, uma vez que para dado fenômeno, existe um desempenho médio global daquela atividade, e variações em torno dessa média são esperadas. O erro do treinador decorre do fato do cérebro humano ter dificuldades em considerar eventos raros ou do acaso – pois ele é programado para buscar na memória alguma explicação concreta de causa, o que leva à elaboração de conclusões e tomadas de decisões sobremaneira equivocadas. Deste modo, o que para o treinador pode ser visto como um “corpo mole” e decide dar uma bronca no seu aluno, muito provavelmente é uma singela variação dos resultados esperados daquele treino.
Observe a imagem abaixo:
Em uma fábrica de sapatos a produção média é de aproximadamente 10 unidades diárias. A ilustração acima demonstra o fenômeno da regressão à média. Num belo dia em que o funcionário dessa fábrica alcança a produção de 12 calçados, seu chefe o elogia acreditando que seu funcionário havia se esforçado bastante. Conquanto, no dia seguinte a produção retorna para 10 unidades e em seguida cai ainda mais para 7 unidades. “Céus!, foi só elogiá-lo que a produção caiu! Acho que vou dar uma bela bronca para que isso não aconteça novamente”, pensa o chefe. Para um belo viés de confirmação, a produção volta a subir novamente. Analogamente ao exemplo citado do treinador no começo do texto, o chefe ter elogiado ou xingado não interferiu diretamente na produção daqueles dias, apesar de aparentemente parecer que sim. Por isso, vale notar que correlação nem sempre implica causação.
Tal situação acontece em muitíssimos campos do nosso cotidiano,como na genética. É muito comum que filhos de pais com estatura mediana – digamos em torno de 1,65m – tenham filhos com alturas próximas a esta magnitude. Porém, a beleza da variação e da probabilidade pode promover eventos raros em que esse mesmo casal tenha um filho de 1,80m.
E você?! Já passou por alguma situação parecida?! Gostou do tema e dos exemplos? Se quiser aprender mais sobre falácias estatísticas e entender outras situações próximas do que foi descrito, então clique aqui e venha entender sobre a falácia da falsa causa.
Referência:
Kahneman, D. Rápido e devagar. Duas formas de pensar. Rio de Janeiro: editora Objetiva. 2012.
Créditos (imagem de capa): pixabay.com
Autor:
Décio Miranda Filho
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